Ir para o conteúdo
acessibilidade


access
Página de Acessibilidade
AGO
22

Folclore: um texto para refletir

Domingo, 22/08/2021

O dia 22 de Agosto é considerado o Dia do Folclore.

Mas você tem uma noção do significado dessa palavra tão banalizada, a ponto de ser considerada "sinônimo" de mentira?

Pois nosso amigo Andriolli Costa, considerado um dos maiores pesquisadores e divulgadores desses fenômenos populares, tem uma das melhores definições, que aqui tomamos a liberdade de reproduzir...

"Folclore. Faça o teste comigo: diga essa palavra em voz alta. Perceba o ar escapando entre os lábios, o estalar da língua por trás dos dentes. Fol-clo-re. Aproxime-se dela, sem receio e nem medo. Verá que, na verdade, vocês são velhos conhecidos.

Agora pense Folclore, deixando as imagens lhe povoarem. O que vem à sua mente? Alguns termos abstratos talvez, daqueles com as letras maiúsculas. “Cultura Nacional”, “Patrimônio”, e essas coisas todas. Alguns imperativos, quem sabe? Sempre na ordem da salvaguarda: “preserve”, “valorize”, “conserve”. Há ainda os que vão pensar em folclore como aquilo que está lá. Lá na roça, lá no primário. Isso, claro, para não falar daqueles que preferem nem pensar no assunto. Folclore, para essas pessoas, é pura bobagem. Se fosse bom, não seria folclore, seria “mitologia” – como as lá de fora. Essas sim merecedoras de alguma consideração.

Todas essas noções, em maior ou menor grau, são insuficientes. É por que folclore não se pensa, simplesmente. Folclore se vive. Não está lá, mas aqui. Folclore está no jeito que você fala, está naquilo que você come, nos gestos que você usa, naquilo que você veste. Folclore, de folk lore, é o saber do povo. É modo de sentir, pensar e agir – e contra isso não existe lei que desdiga, nem acusação de certo ou errado.

Já viu alguém com uma crise de soluço? Remédio bom é pregar um susto no indivíduo. Dificilmente a medicina recomendaria isso, mas o folclore já indica essa profilaxia há séculos, num saber que passa de boca a boca, de pai para filho. Já bateu o pé no chão repetidamente para indicar impaciência? É folclore do corpo, e não há outro sentido para o gesto que não o costume compartilhado. E o que dizer daquela saudade que bate de um bom prato de arroz com feijão? É a boca que pede o sabor da tradição, temperado com toques de nostalgia, identidade e sensação de pertencimento.

Não. Não é o folclore que não cabe na mitologia, mas justamente o contrário. Mitos e lendas são um braço desse folclore oral. Outros elementos que compõe a árvore da cultura popular. Mais uma vez, o reconhecimento fala alto. Você pode até não saber exatamente qual a origem do saci; ou mesmo detestar sua figura e virar os olhos sempre que alguém falar no assunto. Mas se estiver andando por Paris e ver pichada na parede a imagem do negrinho perneta com barrete vermelho, ninguém na França saberá do que se trata. Mas você sim. Mesmo na recusa, o Saci fala com você. Por que folclore não é sobre o indivíduo, é sobre o povo. E povo não são os outros. Povo somos nós.

Algo que muita gente esquece quando traz para a literatura esse universo fantástico dos mitos brasileiros é que essas histórias não são sobre monstros encantados, mas sobre nós mesmos. O mito fala diretamente sobre a experiência humana, sobre nossos medos e desejos; sobre o que nos inspira e o que nos paralisa".

(Introdução por Gilson Moreno).